É comum os sociólogos e outros estudiosos do comportamento humano questionarem a razão de tanto saudosismo nas musicas caipiras e, por vezes, fazerem chacotas sobre esse tema recorrente nas poesias cantadas por nossas duplas.
Por se tratar de sentimento humano é, portanto, uma coisa muito íntima que varia de pessoa para pessoa e não cabe a mim discorrer sobre o assunto; até porque não tenho formação acadêmica na área para analisar tal fenômeno, mas escrevo, a seguir, uma justificativa para esse comportamento dos autênticos caipiras.
Quero, nesse artigo, falar de mim em um misto de depoimento e desabafo e, como bom caipira, falarei de saudades. Não abordarei aqui questões políticas, como o êxodo rural, a não reforma agrária ou qualquer outro tema mais complexo. É impossível uma pessoa como eu que gosta de lançar um olhar diferenciado sobre a sociedade em que está inserido e, a partir desse olhar critico, não escrever com sentimento as coisas nela percebidas.
Recentemente estive em Lençóis Paulista em visita ao museu daquela cidade, pois fui avisado por um sobrinho que o velho carro de boi dos meus tempos de moço havia sido doado ao museu e estava integrado ao seu acervo.
Então pergunto ao leitor, como não falar de saudade diante disso? Ao longo de minha vida experimentei alguns progressos que me possibilitam hoje manipular um computador com a mesma tranqüilidade que comandava uma junta de bois que tracionava campo afora aquele carro lotado de cascas de barba timão que era levado por caminhões até os curtumes de couro, numa época em que a química industrial ainda não era largamente utilizada em nosso pais. Aqui me falta espaço para descrever a emoção que senti diante do inusitado, já se passaram quase meio século e lá estava eu e o carro frente a frente.
Com a imprecisão do meu olhar já cansado, auxiliado pelo tato de minhas mãos trêmulas pela emoção, fui tateando cada peça que o compunha, desde a chaveta que o prendia à canga, toda a extensão do cabeçalho, a cheda, os rodeiros ferrados intactos, os dois fueiros que ainda restam, que apesar da fragilidade permaneceram solidários ao conjunto, segurei firme em uma de suas rodas e agachei-me lentamente para observar seu eixo de cabriúva sextavado que parecia envernizado, preso aos enigmáticos cocões e chumaços que ainda pareciam zunir em meus ouvidos. Para me livrar dessa carga emocional fiz uma poesia e, lógico, o tema é saudades.
Olá velho carro de boiPor onde tinhas andadoSeria ai pelo cerradoPois nunca mais eu te viDesde que nos apartamosIsso já faz muitos anosE eu ainda não te esqueci |
Lá nos campos da corujajá dobrando p’ro rio claroEra aventura e trabalhoNaquelas terras sem fimAinda te vejo carregadoE os dois boizão ajoujadoO alembrado e o alecrim |
Desde uma arvore encopadaAté um fiozinho de capimOlhando em volta de mimSó beleza se enxergava,O silencio era tão bonitoÀs vezes eu dava um gritoMinha voz ia e voltava. |
Quando me falaramQue aqui neste museuTnha um carro de boi guardadoFiquei logo apavoradoPrá ver essa peça distintaE vejo que é o mesmo carroCom o qual eu amassava barroNos campos da vargem limpa |
Se lembra meu velho carroComo os bois me obedeciam,E seus cocões quando rangiamCom meus gritos duetavamNós dois dobrava o espigãoPrá buscar barba timãoE sobre a carga eu sentava |
Naqueles tempos de meninoEu ainda era risonho,Cabeça cheia de sonhosAnsioso por meu destinoUm dia sem ser precisoTe abandonei sem motivoPrá tentar ser um granfino. |
Claro que você se lembraVocê ta forte e bem guardadoAqui no museu preservadoTestemunha dessa historiaEu estou aposentadoEscrevo sobre o passadoAinda vivo na memória |
Lazaro Crneiro
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