MIGUEL LOPES RODRIGUES
* Piracicaba, São Paulo, 1917 - † Caieiras, São Paulo, 1974
Filho de Francisco Lopes Rodrigues e de Encarnación Puga Rodrigues, o compositor Miguel Lopes Rodrigues, caboclo dos Marins, bairro da cidade paulista de Piracicaba, iniciou sua carreira artística em 1937, quando formou com o irmão Santiago Lopes sua primeira dupla sertaneja, os Irmãos Piracicabanos.
Durante os quatro anos em que Miguel e Santiago trabalharam juntos a dupla se apresentou em inúmeros shows, que incluíam 'causos', humorismo e alguma música caipira. Por sugestão de Oduvaldo Viana, Miguel associou-se então a Palmeira, fazendo surgir em 1941, na Rádio Difusora de São Paulo, a dupla caipira mais importante da década seguinte: Palmeira e Piracicabano, que em 2002 completou 60 anos de criação.
Com o imediato sucesso que obteve em todo o interior e na capital do Estadode São Paulo, por influência de Serrinha (Antenor Serra) e do Capitão Furtado, a nova dupla partiu para o Rio de Janeiro para gravar seu primeiro disco. Seu primeiro LP - composto por dez faixas musicais, entre as quais Mulheres Célebres (Capitão Furtado e ítalo Izzo) e Carro de Boi (Capitão Furtado e Orlando Puzone) gravado na RCA Victor - alcançou grande repercussão em todo o Brasil. No lastro de seu amplo sucesso nacional, Palmeira e Piracicabano foram então contratados pelas casas de espetáculo de maior prestígio daquele momento, a Rádio Nacional e o Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, que viviam seu período áureo.
Foi por aquela época que Miguel Lopes Rodrigues, aceitando sugestão do padrinho e amigo Zé da Zilda, abreviou seu pseudônimo para Piraci e a dupla passou a gravar com o nome artístico de Palmeira e Piraci.
Em 1944, retornando a São Paulo como contratada da Rádio Difusora, a dupla Palmeira e Piraci participou dos programas sertanejos Longe da Cidade e Arraial da Curva Torta, este último conduzido com grande eficiência pelo Capitão Furtado, e passou a gravar pela Continental.
Canções como O Mundo Daqui a Cem Anos, Louvação a São Gonçalo, Sina de Beija-Flor (Palmeira, Piraci e Capitão Furtado), Promessa de Caboclo (Anacleto Rosas Junior), Paraguaia e Pepita de Ouro (Capitão Furtado e Palmeira), entre outras lançadas com o selo da nova gravadora, foram muito bem recebidas pelo público. Em seguida, a convite da Força Expedicionária Brasileira, a dupla voltou ao Rio de Janeiro para cantar na Vila Militar, onde Piraci musicou A Carta do Expedicionário e Palmeira criou a melodia de A Resposta para o Expedicionário, ambas com versos do Capitão Furtado.
Desfazendo-se a dupla Palmeira e Piraci em 1945, os antigos companheiros saíram à procura de parceiros para formar novas duplas. Palmeira juntou-se então ao cantor Luizinho e Piraci reuniu-se a Jorginho. Piraci e Jorginho logo ficaram conhecidos como Os Garimpeiros da Música Sertaneja.
Em 1950 Piraci casou-se com Natalina Gornik, falecida em 1992, e em 1951 viu nascer sua única filha, Veranice Gornik Rodrigues, a quem presenteou com a valsa Veranice, gravada por Carlinhos Mafazzoli. Uma outra dupla caipira, Piraci e Guarani, surgiu então naquele período.
Segundo Teddy Vieira Azevedo eles eram "[... ] os melhores intérpretes do cururu, os `bambas' do cururu [... ] e atingiram os píncaros da glória ao lançar em disco da Continental dois grandes sucessos: o cururu Vencendo Sempre e a moda campeira Casando Fugido, que enriqueceram nosso querido Brasil." A dupla se desfez em 1952, dando lugar a outra parceria: Piraci e Cuiabá, que se manteve unida até 1957.
Em dez anos de carreira Piraci havia participado de três duplas de grande sucesso junto ao público, embora tivessem sido parcerias de curta duração. A partir daquele momento Piraci passou a dedicar-se mais ao humorismo, viajando acompanhado do então desconhecido sanfoneiro Mário Zan. Assumiu também muitas outras atividades, além daquela de que mais gostava: excursionar pelo Brasil afora divulgando a música caipira e o folclore brasileiro em shows pelo interior. Nas animadas rodas de cururu de que participava estava sempre ao lado do estudioso do folclore João Chiarini.
Convidado a dirigir o setor sertanejo da Chantecler, Piraci foi o responsável direto pelo lançamento de discos de cururueiros como Parafuso, Pedro Chiquito, Nho Serra, Moreno e tantos outros, que hoje são nomes importantes na história de nosso folclore.
Também foi Piraci quem lançou duplas como Duo Glacial e Duo Brasil Moreno, além de uma das melhores e até hoje mais bem-sucedidas e duradouras duplas sertanejas do Brasil: Tonico e Tinoco. Em 1958, na Editora Gráfica Souza Ltda., cuidou, junto com Serrinha, da apresentação gráfica da coleção de discos que compunha a série Brasil Ritmos.
Piraci continuou viajando com sua trupe, levando seu bom humor e sua experiência de artista consagrado a todos os cantos do Brasil. Em 1967 gravou pela Chantecler o LP Pândegas, Anedotas e Trocadilhos de Piraci, o Rei do Trocadilho, onde reuniu muitos 'causos', trocadilhos e cantigas, entre as quais se destacam: Conselhos Para as Moças (Lourival dos Santos e Moacir Santos), Trocando de Profissão (Piraci e Jorge Paulo) e Moda dos Ofícios (Piraci e Capitão Furtado). Augusto Toscano, então Presidente da União dos Artistas Sertanejos Paulistas, afirmava na contracapa do disco que " [...] falar de alguém que o Brasil inteiro conhece, aplaude e admira ao longo de uma vitoriosa carreira artística, é missão das mais árduas. [...]
Traçar o perfil de Miguel Lopes Rodrigues, uma criatura das mais sérias, responsável pela evolução e pelo prestígio da música sertaneja, é tarefa dificil.[...] Piraci, o Rei dos Trocadilhos. Piraci, o cantor. Piraci, o compositor. Piraci, o humorista. [...] Piraci formou duplas que ainda hoje são lembradas. Suas músicas, ultrapassando a casa das trezentas, continuam sendo cantadas, [...] graças à beleza de suas melodias e à singeleza poética de seus versos. [...] Homem que sempre esteve na trincheira defensiva da música sertaneja e jamais fugiu do campo de luta, onde quer que ela se apresentasse [...]."
Alguns anos mais tarde, em 1970, em noite de moda de viola e saudades do interior em seu apartamento na Avenida São João, em São Paulo, ao lado da família e de amigos violeiros, Piraci compôs, com Lourival dos Santos, seu parceiro original, aquela que ficou conhecida como um dos maiores sucessos de sua carreira: a canção Rio de Lágrimas ou Rio de Piracicaba, uma emocionada homenagem do compositor à sua cidade natal. Imediatamente gravada por Tião Carreiro e Pardinho, a composição obteve ampla aceitação por parte do público, sendo hoje uma das músicas brasileiras que atingiu os mais altos índices de regravação por outros cantores.
Entre os mais de 150 intérpretes de Rio de Lágrimas encontram-se vozes como as de Tonico e Tinoco, Sérgio Reis, Nardeli, Renato Teixeira, Almir Sater, Nenete e Dorinho e muitos outros.
Piraci foi também sócio fundador da SOCIMPRO e sócio da União Brasileira de Compositores, a UBC, onde prestou grande serviço à profissionalização dos músicos nacionais. Impulsionado por seu interesse em torno do cururu, do cateretê, da moda campeira, da catira e de outras manifestações folclóricas brasileiras, Piraci fundou ainda, junto com Alceu Mainardi, a Revista Brasileira do Folclore, publicação que muito estimulou o reconhecimento desse importante segmento da cultura do país.
Armando Augusto Lopes, no artigo Piraci, uma legenda, escrito para a Revista Sertaneja, assim descreve o compositor: "Piraci figura entre os pioneiros da difusão da música sertaneja na capital.
Quando estreou ao lado de Palmeira na Rádio São Paulo, em 1939 [a data correta é 1941], cantar música caipira era uma verdadeira temeridade. Poucas duplas haviam conseguido agradar até então e, via de regra, era necessária a inclusão de boa dose de humorismo nas apresentações e na própria letra das modas para evitar as vaias. Ao lado de Palmeira, Piraci formou uma das primeiras duplas que se arriscaram a contrariar essa norma."
Pouco tempo depois Piraci foi convidado a dirigir o selo da gravadora RCA Candem especializado em música sertaneja e ali continuou apoiando artistas emergentes que mais tarde viriam a se tornar expoentes do mundo musical.
Ao longo de sua carreira Piraci participou de todos os mais importantes programas de rádio do Brasil, entre eles Terra Brasileira e Aqui Está a Record, na Record; Arraial daCurva Torta, apresentado pelo Capitão Furtado, na Cultura; Carlos Ailton, na Paulista e Disque Sertão, na Nacional, na Bandeirante e na Difusora de São Paulo. Foi convidado a cantar na inauguração de rádios da Bahia e do Rio de Janeiro e, além disso, comandou seu próprio programa de rádio, na Rádio e TV Record.
Pertenceu à Associação dos Radialistas do Estado de São Paulo, à União dos Artistas Sertanejos Paulistas, ao Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado de São Paulo, ao Sindicato dos Compositores Musicais do Rio de Janeiro e a muitas outras entidades coletivas. Recebeu também numerosos prêmios, homenagens, menções honrosas e troféus no decorrer de sua intensa e proficua vida profissional. No ano seguinte à sua morte,
Piraci foi homenageado publicamente em sua terra natal, Piracicaba, onde seu nome de batismo, Miguel Lopes Rodrigues, foi perpetuado em uma das ruas da cidade. Seu nome consta da Enciclopédia Brasileira de Música, edição atualizada pela Folha de São Paulo, e do livro de autoria de Rosa Nepomuceno, Música caipira: da roça ao rodeio, ambos editados em 1999.
Atualmente, são realizados trabalhos de pesquisa em torno da obra pioneira de Piraci, com o propósito de resgatar sua memória e de garantir-lhe o merecido destaque na história da música nacional. É importante ressaltar que a obra artística de Piraci - mais de 500 títulos gravados e editados - continua, mesmo depois de sua morte em 1974, sendo alvo de regravações na voz de vários intérpretes da música brasileira, caracterizando não apenas a verdadeira qualidade de seu trabalho artístico mas também a universalidade e a atemporalidade de suas canções.
Para finalizar é preciso ainda registrar a insensibilidade que marcou um recente evento político ocorrido em Piracicaba, durante a homenagem prestada pela Câmara Municipal aos compositores da música-símbolo da cidade, Rio de Lágrimas: a exclusão do nome de Piraci das comemorações. Nada poderia ser mais injusto, pois além de ser o único piracicabano entre os parceiros, o compositor, através de seu pseudônimo, levou o nome de Piracicaba a todos os recantos do país, tendo dedicado à cidade mais de vinte outras composições, como Saudades de Piracicaba (Piraci), Vencendo Sempre (Piraci e Guarani) e Luar de Piracicaba (Piraci e Aldino de Oliveira).
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